quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Persona - A raiz do blues pontenovense


Os fluxos subterrâneos da arte pontenovense começam a chegar à superfície. No dia 15 de agosto de 2009 a banda PERSONA fez seu primeiro show. Mas você pontenovense, desgastado com as muitas bandas existentes na cidade que mais parecem cópias umas das outras e que tem todas uma referência comum, ou seja, bandas pseudo rockers como CPM 22, Fresno e a infamante Detonautas Rock Clube; acho bom não estender a lista pois estas bandas se proliferam como baratas e eu acabaria perdendo metade da manhã, além de ter que suportar as náuseas causadas pela lembrança do que é o som destas bandas ... desculpem me perdi ... as náuseas estavam muito fortes. Sim, sim, bom, você pontenovense desgastado com este monte de bandas entulhadas pela cidade, pode assumir uma postura cética e perguntar: o que há de mais num show de mais uma banda pontenovense, há tantas outras! A PERSONA não é uma banda qualquer, é uma banda de BLUES. Isso para Ponte Nova não é muita coisa concordo, é uma carreta daquelas da Scania carregada de muita coisa na verdade.

Blues em Ponte Nova ... posso afirmar a vocês que nem nas minhas divagações mais otimistas pensei que isso seria possível. Claro, sempre imaginei como seria uma Jam session em Ponte Nova, sempre imaginei como seria um show de blues, coisas que estiveram muito longe das fronteiras de nossa cidade e que agora Davi, Samuel, Joe e Emerson colocam à disposição de seus conterrâneos pontenovenses. Esta atitude reflete bem aquilo que define a essência do blues e que ultrapassa sua sonoridade, pois o blues encontra sua morada no espírito humano, ele invade nossos instintos, anestesia nossa razão, o blues impinotiza, ele entorpece, ele nos faz entrar em contato com outras regiões do nosso espírito, o blues é a constituição de uma espiritualidade, portanto a constituição de um modo de vida, o blues nos leva pelas searas da nossa imaginação, ele nos leva ao encontro de nós mesmos, coloca-nos cara a cara com nossas angústias, medos, sonhos, prazeres, vontades, leva-nos aos extremos das ações humanas, à raiva, ao ódio, ao amor, à paixão, ao prazer sem limites ... enfim o blues é um sentimento primitivo, que passeia pelas esferas do nosso espírito, que ativa nosso lado patológico e nos livra do controle da razão.

A Persona nasce com esta espiritualidade, suas raízes já estavam cravadas na terra nua, ainda virgem do asfalto, transformada em lama pelas águas da chuva. Está é a imagem que me vem à cabeça quando ouço o som da Persona. A força da música, não, da música não, porque não é simplesmente música, a força do blues presente na sonoridade da banda rompe com os antepassados americanos, embora os reverencie à sua maneira. A identidade blues da banda surge já tendo garantida sua maioridade, afirmando suas origens, que vem do barro, fruto da umidade pontenovense e principalmente, extraindo sua força das águas barrentas do Rio Piranga.


Os bluesmen já estão trabalhando na gravação do primeiro álbum da banda. A capa do álbum é assinada pelos artistas plásticos Luiz Henrique Tozo e Airton Pirtz, também pontenovenses e amigos dos componentes da banda. O título do álbum é Idas e Vindas e a foto que compões a capa do álbum concilia bem a origem do blues com uma característica natural de Ponte Nova: a força das águas. O blues nasceu no Delta do rio Mississipi, ao som de suas Águas Barrentas, nome com o qual foi batizado aquele

que em seus riffs expressa a força destas àguas: Muddy Waters. Mas há as Àguas Barrentas do Rio Piranga e as possas d´água no asfalto quebrado, refletindo imagens da paisagem urbana, compondo o clima perfeito, muitas vezes melancólico, para o nascimento de um blues. A foto deixa bem claro, o blues é som, mas também é imagem.
Portanto pontenovenses que estão em Ponte Nova, aventurem-se no blues, deixem-se levar pelas paixões da alma, pelos prazeres dos sentidos, pois é isto que acontecerá quando a Persona invadi-los com seu blues. Relaxem e curtam a viagem.















Banda PERSONA.

Natural de Ponte Nova (MG) a banda tem como proposta musical o trabalho autoral onde mesclamos o Blues (nossa principal influência), o Rock N’ Roll, o Funky Music, a MPB e o Jazz. Formada por Davi Primavera (vocal), Emerson Pereira (guitarra), Joe (bateria) e Samuel Faria (contra baixo), a banda está em processo de gravação do seu primeiro disco intitulado “Idas e Vindas”.

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Contatos:
E-mail: banda_persona@hotmail.com
Telefones: (31) 8773-2814 / (31) 3817-7719

Perfil no Orkut:
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Cifras:
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Entrevistas:
Joe: http://www.culturapontenova.com.br/home/index/principal/portal_tcol.asp?pg=texto&id_texto=2651

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Serie Entre - Vistas: MARRAIO


O mês de Agosto vem com uma surpresa, desta vez não teremos nenhum artista pontenovense, mas uma banda friburguense a Marraio. Embora vindos de outras paragens não são intrusos à invadir o território alheio. O Born to Lose acolhe de braços abertos estes convidados que brindam os amantes da música brasileira com composições que despertam imagens e sensações antes de nos levar à qualquer tipo de contemplação. Marraio é um grito de comando, traz consigo a força do combate, da luta incessante pela vitória! Antes da batalha o guerreiro se concentra gritando, é uma maneira de espantar o medo e se concentrar na luta. A musicalidade da Marraio é um grito de guerra, a energia presente nas melodias deixa claro o vigor de seus músicos e nos leva a imaginar qual o teor de adrenalina liberado pelos corpos destes caras enquanto tocam. Vê-se a harmonia perfeita entre os músicos e sua música. Os sons saem naturalmente, como as gostas de suor quando estamos expostos ao calor. Leiam Marraio, contudo o melhor deleite está em ouvir Marraio.

Born To Lose: Como disse a primeira pergunta esta pergunta é feita a todos logo no início da entrevista: o que é arte para voces da Marraio?

Marraio: PABLO:"Antes de qualquer coisa, valeu, Carlos, pelo convite. Nós do Marraio achamos importantíssima essa forma de utilização da Internet que é, atualmente, um dos mais importantes, senão o mais importante veículo de informação, dada a sua característica essencialmente interativa e germinalmente democrática. Esta é uma pergunta difícil. Um bocado de gente está há séculos tentando respondê-la. Mas acho que arte é tudo aquilo que é produzido
por alguém com uma finalidade estética (ainda que seja útil!) e, mais importante, que possui a marca de seu tempo. Destaquei a utilidade da arte porque, na semana passada, vi fotos de objetos domésticos de um índio, acho que da tribo Panará, e me encantei com o trabalho. Eram
mesas e bancos com uma ornamentação belíssima, no formato de jabuti, onça e outros animais. Aquele banco dizia muito sobre a sua cultura, sua relação com a natureza, sua espiritualidade e sua identidade enquanto índio Panará. Quando vejo um quadro de Tarsila ou leio um livro de Machado, obviamente, nos encantamos com a obra por si só, mas sempre procuramos enxergar, através de um véu imperceptível, que marcas culturais a sintaxe daquele raciocínio possui na obra."

ANDRÉ: ta aí uma pergunta difícil...Mas vou tentar. Pra mim arte é expressão e alimento do ser humano (espírito e corpo), e por isso, talvez, o "fazer e beber arte" seja uma característica fundamental do sentimento de humanidade. Presente em todos os momentos da história humana, seja em momentos de fartura e alegria, seja em dias de tristeza e sofrimento, a arte é o caminho que se abre continuamente à imensidão dos corações e mentes das pessoas. Nem todos
são os artistas - para estes, há o imperativo da ligação sensível com os cosmos - mas todos, sem exceção, se surpreendem com os diferentes sentimentos que experimentam ao Foto ao lado: Rafael Lorga - Percussão se depararem com uma obra de arte, numa experiência singular de emoção e encantamento.

Born To Lose: Voces dizem no myspace da banda, que a palavra marraio, refere-se a uma jogada da bolinha de gude no Rio de Janeiro, que uma vez gritado por um dos jogadore lhe permite ser o último a fazer sua jogada. Em Minas quando jogava bolinha de gude a palavra "nanadis", talvez tirada do vocabulário do Mussum, era a palavra mais importante, porque anulava todas as jogadas especiais que porventura poderiam ser utilizadas pelos outros jogadores. Marraio, o nome da banda, representado por este "pedido" próprio ao jogo de bolinha de gude, tem a intenção de expressar a sonoridade de vocês? Há mesmo, como penso, relação entre esse universo lúdico próprio da criança e a sonoridade da Banda de voces?

Marraio: ANDRÉ: Quanto à escolha da palavra "marraio" para o batismo de nosso projeto musical, creio que ela surgiu da busca de uma palavra que pudesse integrar brasilidade, significado e sonoridade de maneira não muito explícita. Nesse sentido, podemos adiantar que num jogo de bola de gude ninguém aprende a jogar na escola, mas observando os seus colegas
de infância, tal qual o nosso ritmo e a nossa musicalidade, onde "copiamos" joãos, chicos, tons e miltons...Quanto ao fato de "marraio"ser a prerrogativa do "último a jogar", bem, isso fica como
um enigma a ser decifrado com o tempo. Numa palavra, poderíamos dizer que marraio busca um Brasil de terra e brincadeira - mas não se enganem - "à vera".

Born To Lose: Vocês adotaram um formato acústico para fazer a sua música, no realease da banda no My Space este termo é empregado para definir um pouco o que é a Marraio. A meu ver o termo acústico esta impregnado de um ranso estereotipado causado pela fabricação em massa dos Acusticos MTV e também dos lançamentos de shows acústicos dos milhoes de artistas pop, sertanejo, etecetera e tal Brasil a fora. Vocês não acham que a escolha do termo acústico, não do formato claro deixo bem claro, agregaria à banda uma imagem
Foto acima: André Lacerda - Banjo, vilão e cavaquinho estereotipada? Faço esta pergunta

porque a venda do formato acústico pela mídia fez com que seja impossível ouvir o termo acústico e ser levado imediatamente a pensar em determinadas bandas e principalmente na MTV. Aproveitando o gancho, porque a escolha deste formato para a música de vocês?


PABLO: Carlos, nunca pensamos muito no problema (ou solução pra alguns) mercadológico gerado pela utilização da palavra "acústico". Adotamos por uma questão prática. Inicialmente tínhamos um formato de banda (com baixo, guitarra, bateria e violão), que acabou se transformando com o passar do tempo, pois percebemos que as músicas que começaram a ser feitas, posteriormente, pediam uma execução realizada em lugares mais intimistas, logo, parecia-nos inviável o formato antigo, com overdrives e zildjans reverberando pra todos os lados. Esta nova configuração do grupo nos possibilitou explorar novas son oridades, novos instrumentos. O André, por exemplo, antes preso à guitarra, hoje toca violão, bandolim e banjo. Essa modalidade nos permitiu fazer uma coisa que antes não conseguíamos: ouvirmos o que estávamos tocando. Parece bobagem, mas foi fundamental. Mas, sendo preciso, teremos novamente guitarras, baixo e bateria incorporados ao MARRAIO, mesmo porque estamos pensando numa gravação, e a presença desses instrumentos será fundamental pra conseguirmos atingir o nosso objetivo estético. E, Carlos, somos extremamente independentes, ou melhor, não estamos nem ligados à pressão do mercado, mas, ao mesmo tempo, também não encaramos a música como algo sagrado. Preocupamo-nos em fazer o que consideramos boa música. É só. Se tiver que ser acústico, eletrônico ou eletro-acústico, vai ser.

ANDRÉ: Bem, creio que o Pablo já deu o recado que tinha que dar. O que posso acrescentar é que, antes de tudo, no nosso grupo, o termo acústico é independente e não tem qualquer outra pretensão a não ser o de definir o tipo de som que nós fazemos atualmente, procurando essclarecer, de antemão, a mudança que ocorreu na sonoridade do grupo ao longo do tempo. Se o termo acústico vem carregado de " cargas negativas", bem, isso é uma interpretação bastante pessoal, e eu, particularmente, não concordo, até porque eu não assisto MTV e não acompanho muito as tendências do mercado. Quanto a questão mercadológica em si, cabe dizer que não a colocamos a frente de nosso trabalho, muito pelo contrário, procuramos fazer um trabalho honesto e que nos dê prazer. A partir daí, tentamos vendê-lo. Quanto a escolha do novo formato (nem tão novo assim), procuramos conjugar qualidade à operacionalidade. E como disse o Pablo, não há nenhum preconceito quant o à formação tradicional de banda (guitarra, baixo, bateria). Aliás, eu também toco guitarra e Rafael, da percussão, é um ótimo baterista. Cumpre dizer que, nesse formato acústico, além de uma boa adequação aos estilos musicais de nossas canções, há uma valorização das sonoridades acústicas de instrumentos pouco comerciais (banjo e bandolim) e do bom violão "percussivo e brasileiríssimo" do Pablo.


Born To Lose - A sonoridade de vocês é bastante abrangente, no sentido de não refletir apenas as particularidades musicais de sua região. Na verdade acho que não reflete particularidades outras que não a de vocês mesmos, no sentido de não ser possível enquadrar esta sonoridade através de um termo como MPB ou Regional. Contudo, pode-se identificar muitos elementos como samba e chorinho por exemplo. Penso desta forma por eu mesmo não conseguir vincular o som de vocês com nada de modo firme, o que afasta qualquer tentativa de rotular o trabalho de vocês. Percebe-se o uso de elementos do samba e chorinho, como disse acima, mas não há como dizer que vocês fazem samba ou chorinho, não sei se fui claro ... Assim meus amigos, gostaria de saber como voces consideram o som de vocês, até que ponto existe mesmo esta independência, até que ponto eu não viajei em minha análise. (risos)

Marraio - ANDRÉ: Caro Carlos, a sua "viagem" prá nós é um bom sinal. Não poder enquadrar o nosso estilo, de fato, tem um grande significado. Para mim, a música brasileira é isso, um caleidoscópio de sons e ritmos que em determinado momento fazem um enorme sentido, mesmo que esse momento seja apenas o tempo de duração de uma única canção. No nosso caso, como as canções estão brotando de forma natural (não que elas sejam fruto de uma iluminação arrebatadora e misteriosa, mas sim de um processo de trabalho e inspiração desvinculados de interesses outros que não a própria música), creio que a diversidade de estilos é mais um reflexo de nossa formação, ou personalidade, ou ainda da maneira como enxergamos o mundo, do que propriamente de algo pensado, racionalizado, numa perspectiva meramente funcional.

PABLO: Bom, Carlos, acho o termo MPB muito abrangente, mas algumas pessoas transformaram-no em filão erudito das nossas canções populares. Eu acho que emepebê é toda produção musical realizada por aqui, desde o rock nacional, o funk, samba, valsas, baiões, tins e tons e coisa e tal. Não consigo categorizar as canções do Marraio. Digo isso não porum preciosismo arrogante de achar que nosso som é original ouinclassificável, mas justamente o contrário. Fazemos o de sempre.Temos valsa, samba, funk, baião, folk, forró, ciranda – e tudo isso é ou virou música popular brasileira. Logo, se dá pra categorizar o Marraio é como MPB mesmo. Quanto ao samba e ao choro, posso dizer que há no grupo uma mistura rítmica e melódica resultante de várias influências, em que cabe tudo o que você possa imaginar, inclusive esses dois estilos brasileiros. Além disso, o fato de o André "mandar ver" no bandolim também ajuda umpouco a dar esse ar de samba e de choro.



Born To Lose – Bom André em sua resposta à pergunta anterior você diz que as composições da Marraio estão brotando naturalmente, reforçando que não por meio de uma epifania, mas como resultado de um processo de trabalho. Gostei muito desta sua colocação porque ajuda a desmistificar a figura do artista. Grosso modo, as pessoas vêem o artista como alguém iluminado, aquela pessoa agraciada por Prometeu com o fogo dos deuses. Lembro que o Rubem Fonseca em uma entrevista disse que o escritor é um trabalhador como outro qualquer que tem que verter suor em cima do texto para que ele nasça.
O que é pra vocês o processo de

Foto acima: Pablo Vallegros - Voz e Violão
criação, gostaria que este ponto fosse explorado por vocês, ressaltando a experiência de composição conjunta e separada de vocês e como vocês se vêem como artista. Ou melhor, vocês conseguem ter este olhar crítico sobre vocês mesmos, vocês se vêem como artistas assim como vêem o Milton Nascimento como artista, por exemplo? Se vêem, que tipo de artistas são vocês?

Pablo: Quando conheci André, cada um tinha um punhado de músicas engavetadas. A experiência de compor juntos foi excelente. O André é um cara que tem uma sensibilidade poética e um humor incríveis. Sua sensibilidade de certa forma foi um desafio pra mim, pois me obrigou a buscar uma sonoridade mais profunda do que a que eu reproduzia. Temos algumas letras em parceria, mas normalmente faço melodia e harmonia e o André, as letras. Na maioria das vezes eu enviava a melodia pra ele letrar. Ultimamente tivemos duas experiências muito legais: "Marraio firidô sou rei" e "Ibeji", canções cujas letras foram feitas antes da melodia. Carlos, eu vejo o Marraio - e acho que o André concorda comigo - tentando interpretar o mundo com palavras e sons, sem cair no senso comum. Fazer isso sem queimar mufa e sem zinabre nos dedos é impossível.

André: Boa pergunta Carlos, pois nos obriga a fazer uma reflexão. Bem, vamos lá... Para mim, o artista não chega a ser um iluminado, mas sim um indivíduo que desenvolve uma percepção de realidade um pouco diferente dos demais, e a satisfaz através de sua técnica apurada, impondo à seus admiradores instantes de prazer, reflexão, êxtase, etc. Quanto a mim, ainda não me considero um artista, pois creio que essa denominação – artista - tenha que ser dada pelo admirador da obra, e não pelo “construtor”. Creio que eu e Pablo ainda estejamos no começo de um processo que, apesar de contarmos com a admiração de várias pessoas, é cedo para nos intitularmos “artistas”. Além do mais, fica meio presunçoso. Quanto ao processo de criação em si, bem, isso é mais complexo, mas posso adiantar que, para mim, a necessidade de esvaziar a mente de segundas intenções é um imperativo, ou seja, nada de querer fazer um canção que o público vai gostar, nada disso. O importante seria, então, o artista conseguir se satisfazer com o processo de criação, fazendo com que o resultado seja, no final, um reflexo do instante do criador. Seria, em síntese, um trabalho honesto, onde a interpretação do artista acerca do mundo e das coisas possa ser vislumbrada com encantamento pelas lentes do observador. No nosso caso específico de parceria, haveria a necessidade também de respeitar a individualidade do parceiro e confiar nele, buscando superar vaidades ou egoísmos.



Born To Lose – Vocês são uma banda do interior e a experiência que tive em cidades do interior com menos de cem mil habitantes, nasci e morei durante vinte anos em uma cidade destas, é bastante frustrante em relação à divulgação e apoio à cultura. Durante minha infância e adolescência vi meu pai tentar viver de arte e fazer arte em sua própria terra, lutar por estabelecer uma cena cultural em Ponte Nova e no final das contas ter suas forças exauridas, pois nem os poderes públicos e o que é pior, nem mesmo a população tinham interesse em conhecer a arte feita em sua própria terra. Além do que tem-se que lutar contra uma noção de arte já fortemente estabelecida pelas mídias, onde arte tem mais a ver com fama e sucesso do que com um trabalho sincero que busque novas formas de expressão para suas idéias. Hoje, passados tantos anos, uma nova geração de artistas surgiu na cidade, em todas as áreas, o que é mais incrível, teatro, poesia, música, artes plásticas e visuais, e esta nova geração de artistas não tem nenhuma “audiência” em sua própria cidade. Eu gostaria de saber se aí em Nova Friburgo vocês enfrentam este tipo de problema e qual a relação de vocês com sua terra, se o seu “lar” faz parte de seus projetos artísticos.

Marraio: Pablo: O que você disse é pertinente, Carlos, mas não temos nenhuma crise quanto a isso, não. Principalmente porque vemos Friburgo como um ponto de partida. Aqui nosso projeto está dando os primeiros passos. Encontramos alguma dificuldade quanto à divulgação, mas não deixamos de nos apresentar... as coisas estão acontecendo. Talvez o fato de nenhum dos integrantes ser filho da cidade permita que a gente não se sinta traído pela falta de interesse do poder público local em fomentar eventos culturais que julgamos relevantes - e que dos quais gostaríamos de fazer parte. Mas o Marraio está na luta, Carlos. O negócio é fazer o trabalho e ver no que vai dar. Tá todo mundo nessa, irmão.

André: Bem, Carlos, de fato, em uma de suas facetas, Nova Friburgo tem um perfil conservador e provinciano. Por exemplo, uma mí¬dia que se espelha, em parte, nas grandes empresas jornalísticas dos grandes centros, reproduzindo formas e conteúdos. E, por não ser uma cidade grande (Nova Friburgo tem cerca de 180 mil habitantes), e ter uma população que se "conhece de vista", a perda de autonomia jornalística e o medo da ousadia faz com que a mídia fique sempre atrelada ao poder econômico e às "relações de compadrio", não havendo renovação e nem oposição. Por outro lado, a cidade também tem outras possibilidades - até porque a mídia local, por ser daquela forma, não tem maiores influências junto a população. Nesse sentido, nós temos feito shows - às vezes notificados no jornal (quando promovidos pela Prefeitura ou empresas), sem a mínima preocupação com esse tipo de divulgação. Para dizer a verdade, eu acho que o Marraio ainda está atrás de uma qualidade musical para, assim, ensaiar vôos mais altos... Quanto às pessoas comuns de Friburgo (friburguenses ou não), bem, isso é o que a cidade tem de melhor.

Born to Lose: Quais os projetos de vocês com a Marraio? Vocês têm algum trabalho paralelo, independente da Marraio?

Marraio: André: No meu caso, particularmente, eu penso no Marraio tanto como uma realidade, quanto como uma possibilidade. A primeira, diz respeito ao fato de que estou fazendo música, ou seja, compondo, tocando e mostrando para as pessoas. Isso prá mim é muito significativo, pois materializa um antigo sonho de longa data. A segunda, corresponde ao fato de estar disponível para maiores projeções, seja como músico, seja como compositor. Vale adiantar que o fato de compormos nos dá muito mais "poder de resistência" do que se simplesmente tocássemos canções de outros autores. Composição e arranjo dá uma trabalheira danada, mas é fantástico.
Quanto ao trabalho paralelo, vc que dizer em música? Não. Sou professor e o tempo é extremamente curto para outros projetos musicais...O Marraio já toma tempo demais.rss.




Born To Lose: É estranho fazer esta espécie de pergunta quando já se está tão perto do final da entrevista, mas vou fazê-la mesmo assim: como vocês três se conheceram?

Marraio: André: A história é mais ou menos a seguinte: Eu estava interessado em formar uma banda para tocar uns covers com um amigo nosso em comum, o Léo (baterista). Ele, então, chamou o Pablo. Pensamos em um nome para o baixo e daí surgiu o de Marcone. Bem, depois disso, fizemos um único ensaio, e cada um saiu para o seu lado sem dar notícias. Depois de um bom tempo, encontrei o Pablo na rua e convidei ele para fazer um trabalho autoral. Daí ele topou. tocamos algumas músicas e fizemos algumas canções. Ligamos então para o Léo e para o Marcone e voltamos a ensaiar. O Léo, como sempre, muito furão. Limamos ele (na boa e na amizade). Voltamos a tocar com um outro baterista e gravamos a nossa primeira demo com 4 canções. Tudo bem, tudo bom? Não. Gastávamos muito tempo e energia para fazermos os ensaios (além dos furos, que continuavam). Além disso, começamos a perceber que a sonoridade de nossa música estava mais para um perfil acústico do que com baixo e bateria. Falamos com Marcone e com Josias e explicamos a situação pra eles. Não sei se eles levaram na boa, mas enfim... Aí surgiu o nome do Rafael, por coincidência, namorado da minha filha, (ó, não tem nepotismo nenhum aí, hein, foi o Pablo que pensou no nome dele). Depois disso gravamos em um home estúdio duas canções, onde eu fiz o baixo, bandolim, guitarra, Pablo fez a voz e o violão e, Rafael ficou na percussão. Bem, daí, estamos com essa formação atual, muito prática para shows mas pouco eficiente nas gravações (eu não sou baixista e preparar arranjos para outros instrumentos demanda muito tempo). Vamos ver o que vamos fazer...

Born To Lose: Agradeço a vocês Pablo e André pela entrevista, por terem nos apresentado a música de vocês, suas idéias e perspectivas acerca do fazer artístico. Desejo sucesso à Marraio e de despedida quero fazer uma última pergunta: Há alguma pergunta que não foi feita, mas que vocês gostariam de ter respondido?

Marraio: Não, Carlos, creio que não. E saiba você que foi interessante ser entrevistado, pois me deu oportunidade de refletir sobre algumas coisas. Valeu. Um abraço.
André

Marraio no orkut:

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My Space:

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sábado, 22 de agosto de 2009

Carranca: Reformulando antigas fórmulas

O texto aqui postado pode parecer estranho a você que acompanha o Born To Lose; bom, ao menos é o que me parece. Penso assim pelo fato de ser um texto que havia sido escrito com o objetivo de estrear uma coluna de crítica musical de uma Revista de Cultura que alguns amigos aqui de Salvador tiveram a intenção de lançar, mas que por falta de recursos financeiros não saiu sequer do campo das reflexões. Posteriormente a intenção foi divulgá-lo no segundo número do Zine O Riso, que estes mesmos amigos, eu sou um deles, decidiram lançar, mas que por falta de uma atitude deste mesmo grupo de amigos ainda não deixou de ser apenas mais um arquivo do word no computador. Assim, decidi postá-lo aqui no blog da mesma maneira como fora pensado para a publicação impressa, daí a possibilidade de haver estranhamento por parte de você leitor. Para mim é um prazer postar este texto por se tratar de uma crítica ao som feito por grandes amigos e conterrâneos que fazem parte da banda Carranca. Todos prevenidos? Vamos ao texto.

Coluna Frango com Quiabo

Carranca: Reformulando antigas fórmulas

Por Carlos Inácio Coelho Neto



Em Ponta de Areia Milton Nascimento fala de uma estrada de ferro que ligava Minas à Bahia, que unia as montanhas ao mar. Com a presente coluna reconstruiremos essa estrada, ligaremos mais uma vez Minas à Bahia. Por essa estrada traremos ao leitor um pouco da cultura produzida na região mineira da Zona da Mata, em particular as produções artísticas das cidades de Ponte Nova, Viçosa, Mariana e Ouro Preto. Por isso a coluna ter sido batizada com o nome desse prato tão caro ao paladar dos mineiros. A idéia dessa coluna foi motivada por um lado pelo fato de eu ter nascido na cidade de Ponte Nova e tê-la deixado há nove anos atrás; por outro, por ter percebido minha cidade de maneira diferente quando lá estive no final do ano de 2008. Isso se deveu aos encontros que totalmente ao acaso aconteceram nessa minha última visita à cidade. Fiz novos amigos e pude conhecer melhor outros, com os quais já havia travado amizade há mais de dez anos atrás. Essas novas descobertas trouxeram novas idéias a mim e mostraram haver na cidade uma efervescência cultural subterrânea, formada por uma pequena rede de amigos e conhecidos, que acabam por serem os apreciadores e críticos uns dos outros.

Daí nasceu a idéia de fazer essa coluna a qual será destinada uma série de artigos que visa trazer a tona esses acontecimentos culturais desconhecidos da própria gente de Ponte Nova. Este artigo será o início dessa série destinada a extrair do subterrâneo, tal qual um gêiser, a produção cultural pontenovense. Começamos pelo som da banda Carranca, cujos integrantes são Marcelo Baía (vocais), Dalton Sanches (bateria) e seu irmão, o baixista Alisson Sanches. Por estar em Salvador, por ter ouvido as gravações das músicas da banda apenas quando cheguei à capital baiana, por ter acabado de ter a idéia de fazer esta coluna e conseqüentemente desse artigo, não pude conversar com nenhum dos integrantes sobre as intenções estéticas da sonoridade da banda. Contudo, coloco-me aqui na posição de ouvinte e por ser um aficionado por música e também amigo da banda atrevo-me a emitir uma opinião a respeito de sua sonoridade.

Marcelo Baía e Alisson Sanches em sessão de gravação

Fui com o Marcelo na casa de um amigo em comum, o Davi, para bater um papo e trocar alguns arquivos de áudio e vídeo. Enquanto vasculhava as pastas de mp3 de Davi acabei encontrando uma pastinha com o nome Non Plus Ultra (este era o nome da banda antes de se tornar Carranca). Joguei a tal pastinha na mídia sem mencionar nada aos caras. Ouvi o som na casa dos meus pais no mesmo dia e a primeira impressão foi de espanto. A pastinha compõe-se de sete músicas com uma pegada bastante forte e que revela uma identidade própria da banda.

Em tempos em que a criatividade anda sufocada pela justa medida do mercado, esse material toma formas de achado arqueológico. Confesso que há muito tempo não tinha prazer em ouvir uma sonoridade que bebe de fontes tão contrárias como o som pesado do rock e da música de caráter regional. Essa mistura gerou uma fórmula que já se desgastara, teve seu prazo de validade vencido e já não produz nada, a tal ponto de gerar apenas reproduções. Contudo, a rapaziada da Carranca conseguiu acrescentar novos elementos a essa fórmula, que são percebidas facilmente nas músicas, que nada tem de complexas e tem a virtude de não aborrecer o ouvinte com os excessos do virtuosismo.

As músicas não foram compostas de modo a expressar uma sonoridade homogênea, essa característica, a meu ver, é o mais interessante desse conjunto de músicas. As músicas A fé, o homem e o mercado, Embater, Cubo de Gelo Azul e Vida Seca formam um bloco sonoro composto de elementos específicos do metal, distorções sujas e riffs bastante pesados que revestem a cadência de ritmos próprios da música nordestina como o baião. Aqui cabe a mim revelar a minha ignorância com relação à fonte exata dessa vertente regional, que pode muito bem fazer parte de manifestações musicais bastante populares de Minas como por exemplo o congado. Prometo trazer no próximo texto esclarecimentos dos próprios músicos com relação a essa veia regional.

Já as músicas Tozin (nome do primo dos irmãos Dalton e Alisson) e Carranca – Sun X nos traz o som bastante lúcido do violão cujo dedilhado revela linhas melódicas sustentada por uma harmonia simples, quase primitiva. Esse efeito parece vir da necessidade de se superar as dificuldades impostas pela falta de um conhecimento técnico, em sentido acadêmico, do instrumento. Essa aparente limitação é ultrapassada por uma sensibilidade notória que combinada à criatividade alcança esse refinado patamar de composição.

Finalmente há o cover da música Para Lennon e McCartney que vai além da pura interpretação; a banda na verdade reconstrói a música em um arranjo que privilegia a linguagem musical própria da Carranca a qual já delimitei nos parágrafos anteriores. Essa música ressurge em uma sonoridade agressiva baseada em riffs pesados, as mudanças de trechos deixa então de se resguardar na condução da cadência própria do jazz (presente na versão original de Milton Nascimento e Fernando Brant) e passa a privilegiar a rapidez característica do rock. Mais uma vez a banda procura o caminho da simplicidade atingindo o ouvinte de imediato.

Bom, provavelmente há muito mais o que dizer sobre essa banda, mas confesso que essas pequenas observações, ao menos por enquanto, foi o que consegui expressar em palavras sobre a sensação, porque não o sentimento, gerada em mim através da audição dessas músicas. A Carranca trilha um caminho que vai sendo construído na medida em que os passos são dados, ou seja, mantém imanente à sua proposta artística uma heterogeneidade musical e deixa-se guiar por influência do acaso, no sentido nietzschiano do termo. Portanto a Carranca não segue um mapa onde estão traçados objetivos pré-fabricados no que se refere à origem de sua sonoridade, o que significa não terem um caminho já pronto. A Carranca tem a coragem de encarar essa estrada da mesma forma como encarava sua estrada Sal Paradaise em On The Road: lançam-se nela sem destino, o que lhes permite preservar as surpresas dessa experiência que é o viver, que é o fazer arte, preserva a vitalidade essencial à prática artística.


Carranca no orkut: http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=42065740

My Space: http://www.myspace.com/carranca