sábado, 22 de agosto de 2009

Carranca: Reformulando antigas fórmulas

O texto aqui postado pode parecer estranho a você que acompanha o Born To Lose; bom, ao menos é o que me parece. Penso assim pelo fato de ser um texto que havia sido escrito com o objetivo de estrear uma coluna de crítica musical de uma Revista de Cultura que alguns amigos aqui de Salvador tiveram a intenção de lançar, mas que por falta de recursos financeiros não saiu sequer do campo das reflexões. Posteriormente a intenção foi divulgá-lo no segundo número do Zine O Riso, que estes mesmos amigos, eu sou um deles, decidiram lançar, mas que por falta de uma atitude deste mesmo grupo de amigos ainda não deixou de ser apenas mais um arquivo do word no computador. Assim, decidi postá-lo aqui no blog da mesma maneira como fora pensado para a publicação impressa, daí a possibilidade de haver estranhamento por parte de você leitor. Para mim é um prazer postar este texto por se tratar de uma crítica ao som feito por grandes amigos e conterrâneos que fazem parte da banda Carranca. Todos prevenidos? Vamos ao texto.

Coluna Frango com Quiabo

Carranca: Reformulando antigas fórmulas

Por Carlos Inácio Coelho Neto



Em Ponta de Areia Milton Nascimento fala de uma estrada de ferro que ligava Minas à Bahia, que unia as montanhas ao mar. Com a presente coluna reconstruiremos essa estrada, ligaremos mais uma vez Minas à Bahia. Por essa estrada traremos ao leitor um pouco da cultura produzida na região mineira da Zona da Mata, em particular as produções artísticas das cidades de Ponte Nova, Viçosa, Mariana e Ouro Preto. Por isso a coluna ter sido batizada com o nome desse prato tão caro ao paladar dos mineiros. A idéia dessa coluna foi motivada por um lado pelo fato de eu ter nascido na cidade de Ponte Nova e tê-la deixado há nove anos atrás; por outro, por ter percebido minha cidade de maneira diferente quando lá estive no final do ano de 2008. Isso se deveu aos encontros que totalmente ao acaso aconteceram nessa minha última visita à cidade. Fiz novos amigos e pude conhecer melhor outros, com os quais já havia travado amizade há mais de dez anos atrás. Essas novas descobertas trouxeram novas idéias a mim e mostraram haver na cidade uma efervescência cultural subterrânea, formada por uma pequena rede de amigos e conhecidos, que acabam por serem os apreciadores e críticos uns dos outros.

Daí nasceu a idéia de fazer essa coluna a qual será destinada uma série de artigos que visa trazer a tona esses acontecimentos culturais desconhecidos da própria gente de Ponte Nova. Este artigo será o início dessa série destinada a extrair do subterrâneo, tal qual um gêiser, a produção cultural pontenovense. Começamos pelo som da banda Carranca, cujos integrantes são Marcelo Baía (vocais), Dalton Sanches (bateria) e seu irmão, o baixista Alisson Sanches. Por estar em Salvador, por ter ouvido as gravações das músicas da banda apenas quando cheguei à capital baiana, por ter acabado de ter a idéia de fazer esta coluna e conseqüentemente desse artigo, não pude conversar com nenhum dos integrantes sobre as intenções estéticas da sonoridade da banda. Contudo, coloco-me aqui na posição de ouvinte e por ser um aficionado por música e também amigo da banda atrevo-me a emitir uma opinião a respeito de sua sonoridade.

Marcelo Baía e Alisson Sanches em sessão de gravação

Fui com o Marcelo na casa de um amigo em comum, o Davi, para bater um papo e trocar alguns arquivos de áudio e vídeo. Enquanto vasculhava as pastas de mp3 de Davi acabei encontrando uma pastinha com o nome Non Plus Ultra (este era o nome da banda antes de se tornar Carranca). Joguei a tal pastinha na mídia sem mencionar nada aos caras. Ouvi o som na casa dos meus pais no mesmo dia e a primeira impressão foi de espanto. A pastinha compõe-se de sete músicas com uma pegada bastante forte e que revela uma identidade própria da banda.

Em tempos em que a criatividade anda sufocada pela justa medida do mercado, esse material toma formas de achado arqueológico. Confesso que há muito tempo não tinha prazer em ouvir uma sonoridade que bebe de fontes tão contrárias como o som pesado do rock e da música de caráter regional. Essa mistura gerou uma fórmula que já se desgastara, teve seu prazo de validade vencido e já não produz nada, a tal ponto de gerar apenas reproduções. Contudo, a rapaziada da Carranca conseguiu acrescentar novos elementos a essa fórmula, que são percebidas facilmente nas músicas, que nada tem de complexas e tem a virtude de não aborrecer o ouvinte com os excessos do virtuosismo.

As músicas não foram compostas de modo a expressar uma sonoridade homogênea, essa característica, a meu ver, é o mais interessante desse conjunto de músicas. As músicas A fé, o homem e o mercado, Embater, Cubo de Gelo Azul e Vida Seca formam um bloco sonoro composto de elementos específicos do metal, distorções sujas e riffs bastante pesados que revestem a cadência de ritmos próprios da música nordestina como o baião. Aqui cabe a mim revelar a minha ignorância com relação à fonte exata dessa vertente regional, que pode muito bem fazer parte de manifestações musicais bastante populares de Minas como por exemplo o congado. Prometo trazer no próximo texto esclarecimentos dos próprios músicos com relação a essa veia regional.

Já as músicas Tozin (nome do primo dos irmãos Dalton e Alisson) e Carranca – Sun X nos traz o som bastante lúcido do violão cujo dedilhado revela linhas melódicas sustentada por uma harmonia simples, quase primitiva. Esse efeito parece vir da necessidade de se superar as dificuldades impostas pela falta de um conhecimento técnico, em sentido acadêmico, do instrumento. Essa aparente limitação é ultrapassada por uma sensibilidade notória que combinada à criatividade alcança esse refinado patamar de composição.

Finalmente há o cover da música Para Lennon e McCartney que vai além da pura interpretação; a banda na verdade reconstrói a música em um arranjo que privilegia a linguagem musical própria da Carranca a qual já delimitei nos parágrafos anteriores. Essa música ressurge em uma sonoridade agressiva baseada em riffs pesados, as mudanças de trechos deixa então de se resguardar na condução da cadência própria do jazz (presente na versão original de Milton Nascimento e Fernando Brant) e passa a privilegiar a rapidez característica do rock. Mais uma vez a banda procura o caminho da simplicidade atingindo o ouvinte de imediato.

Bom, provavelmente há muito mais o que dizer sobre essa banda, mas confesso que essas pequenas observações, ao menos por enquanto, foi o que consegui expressar em palavras sobre a sensação, porque não o sentimento, gerada em mim através da audição dessas músicas. A Carranca trilha um caminho que vai sendo construído na medida em que os passos são dados, ou seja, mantém imanente à sua proposta artística uma heterogeneidade musical e deixa-se guiar por influência do acaso, no sentido nietzschiano do termo. Portanto a Carranca não segue um mapa onde estão traçados objetivos pré-fabricados no que se refere à origem de sua sonoridade, o que significa não terem um caminho já pronto. A Carranca tem a coragem de encarar essa estrada da mesma forma como encarava sua estrada Sal Paradaise em On The Road: lançam-se nela sem destino, o que lhes permite preservar as surpresas dessa experiência que é o viver, que é o fazer arte, preserva a vitalidade essencial à prática artística.


Carranca no orkut: http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=42065740

My Space: http://www.myspace.com/carranca

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