quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Como estão os caminhos que nos conduzem por Salvador.


            Tive acesso ao texto que se segue abaixo através do blog Som do Roque(http://somdoroque.blogspot.com/) que chamou minha atenção por levantar um problema grave em nossa cidade, Salvador, a locomoção pela cidade. Durante toda minha graduação em filosofia na UFBA, fui andando para as aulas, saía da minha casa no Barbalho e ia caminhando até São Lázaro na Federação. Essa foi a solução que encontrei para fugir dos ônibus super lotados e dos engarrafamentos nos horários de pico. Contudo encontrei outros obstáculos, calçadas esburacas, onde constantemente tropeçava, carros estacionados nas calçadas que me obrigavam a ter que me aventurar entre os carros nas pistas, sinalizações de transito que priorizam os carros e não os pedestres, e  uma série de outras situações problemáticas, que o Pablo Florentino explora com detalhes em seu texto.
                Em Salvador os carros são cada vez mais priorizados, que o diga a obra que está sendo feita na rótula do Abacaxi. O que dizer do metrô que em dez anos de obras parece que vai inaugurar no final de 2010 um trecho de 6 km, que dará o título à nossa capital de menor sistema metroviário do mundo, ao menos nossos governantes conseguiram colocar o nome de Salvador e seu metrô no Guinnes Book.

Leiam com atenção o texto e vejam a situação dos caminhos de Salvador.
Reproduzo aqui no blog o importante texto "Cidades orientadas a carro", do amigo Pablo Florentino. Um texto para se pensar o modelo de planejamento da maioria das nossas cidades. (a nossa é Salvador)... Leiam, leiam, leiam...



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CIDADES ORIENTADAS A CARRO
( talvez um pouco longo, mas necessário. Compartilho com um grupo
especial de colegas e amigos. Mas fiquem à vontade ... Fruto de quase
4 anos de observações e inquietações )

Entre uma esquina aqui e outra ali, venho observando a forma como
Salvador tem se organizado e planejado em relação ao seu elemento mais
importante: o cidadão soteropolitano. Observo um transporte
incrivelmente ruim em relação a outras cidades, mas que, ainda sim,
tem melhorado. Observo calçadas desprovidas de qualquer aparato para
receber cadeirantes. Observo uma preocupação zero com a situação de
quem anda, literalmente, com os pés no chão, pela cidade. Os pontos de
ônibus são mal assistidos, não há qualquer informação sobre as linhas
que por ali circulam, os poucos abrigos estão em péssimas condições.
Não existe qualquer preocupação em oficializar a bicicleta como um
meio viável de transporte, não só criando corredores próprios para as
magrelas, mas, acima de tudo, conscientizando o motorista de que a
bicicleta faz parte do Código Nacional de Trânsito, possui uma
legislação específica e assim deve ser respeitada. Creio que muitos
não devem saber que qualquer motorista deve manter a distância de 1,5
m de qualquer bicicleta em movimento. Enquanto Rio e Sampa estão a
multiplicar sua linha férrea e de metrô, nós seguimos sem o menor
metrô do mundo.
Pelo contrário, vemos investimentos em cada vez mais vias para carros,
ao invés de planejarmos e investirmos num sistema de transporte
público de qualidade. Poucos talvez percebam isso, mas, com certeza,
seria muito mais confortável ir e voltar do trabalho sem ter que
buzinar, que enfrentar engarrafamentos na posição de motorista, sem
ter que enfrentar faróis acesos queimando a retina, sem ter que
respirar CO2 (no caso de trens elétricos e bicicletas).

Dentro deste contexto, vemos algumas consequências. A primeira delas é
a perda do contato com a rua e com o ser humano. Muitos hoje saem de
suas casas e seus apartamentos sem colocar pé na rua, pois é o carro
que faz isso para você. Nem sequer se pisa na calçada. Chega-se ao
estacionamento do trabalho e a rua fica para trás. Deixou-se de manter
contato real com o meio que nos cerca. Onde ficou a rua? Atrás dos
vidros escurecidos dos automóveis. Perdeu-se aí o contato com a
vizinhança, pois nossa vizinhança passou a ser os condominos. Não
anda-se mais pelas ruas para comprar pão ou leite, ou um jornal de
domingo, ou para cortar o cabelo ou para comprar o tomate do molho, ou
qualquer coisa que o valha. Tudo deve ser feito através do carro.
Vejo como a maior parte das pessoas aqui perdeu o contato com a
cidade, seus espaços e paisagens. A maior parte das pessoas agora sai
de casa com o carro para qualquer lugar: trabalho, mercado, cinema,
praia, teatro, restaurante, padaria, banca de revista, bar ...
Perderam o contato visual e físico com a cidade real e preferem o
conforto e segurança psicológico oferecido pelos automóveis (sim, isso
é comprovado por estudos).

E assim, as pessoas deixaram de se olhar pelas ruas, de se cruzarem
pelas ruas, de sentirem a cidade viva! (Viva o projeto de Cassia, Dia
de Esquina, para Humanizar a Cidade, que vai ocupar as esquinas da
Manuel Dias da Silva dia 17/11). Tudo isso que citei foi transferido,
quase que totalmente, para shopping centers e supermercados. Sim, esta
é a segunda consequência da cidade orientada a automóveis. Aqueles que
se tornaram carro-dependentes, passaram também a ter estes espaços
(shoppings e supers) como referência para encontrar qualquer coisa, ou
quase qualquer coisa. Salvador se tornou a cidade dos mega shoppings.
Se queres encontrar alguma coisa, é ali que acharás o seu desejo! E
algumas vezes é, mas muitas vezes o que desejamos está ao nosso redor,
ao nosso lado, sem que a percebamos, na rua, fora destes grandes
centros aglutinadores.

A verdade é que às vezes é quase um demérito não ter carro em SSA. (
adianto desde já, não sou contra ter um carro, não sou contra quem tem
um. Aliás, quero voltar a ter um, mas não para ficar preso nos
engarrafamentos. Não estou pregando que vendam-se ou destruam-se os
carros, mas que, na oportunidade de utilizar outro meio
tranquilamente, use). Tudo tem seu espaço e momento. Se for possível
revezar, já teremos um grande avanço, pois é um carro a menos sem
ocupar espaço desnecessário, sem aquecer o ambiente, sem gastar
combustível.

Mas a realidade é que os trajetos são agora percorridos em altíssima
velocidade, sem observar o que existe ao redor ( na verdade, o contato
com o que acontece ao redor agora passa a ser através das mídias de
comunicação: TV, rádio, jornal, outdoors ...). Esta seria a terceira
consequência. Quando caminhamos, pedalamos ou estamos num transporte
público, nossa velocidade é muito menor do que se estivéssemos em um
carro. É permitido que nosso contato visual observe com maior cuidado
e melhor cadência os espaços ao redor, pois o foco sai do volante e
das marchas e se volta para o cotidiano. A observação vem
naturalmente, aprende-se mais sobre a cidade e o que ela oferece.
Muitos detalhes começam a aflorar, estabelecimentos começam a surgir,
novas possibilidades brotando. Ainda sim, existe esperança. Alguns
sinais desta retomada da urbanidade andarilha começam a se pronunciar
em bairros como Pituba, Rio Vermelho e Barra, com lojas de rua. Na
Manuel Dias isto começa a se fortalecer e mostrar que é possível.
Muitos vão me dizer: mas o transporte de Salvador é horrível! É ruim,
mas já foi pior, melhorou. E só vai melhorar se nos apropriarmos dele,
se passarmos a utilizá-lo, mesmo que parcialmente, em nosso dia a dia
e reclamar, reclamar com quem de direito. ( Evitem Bocões, Varelas e
Nas Miras que empobrecem nossa tv local, seguindo a cartilha do
terror.) Temos que pregar a liberação dos transportes alternativos,
por exemplo, a partir de uma determinada hora da noite, justamente
para atender a parcela da população que fica desassistida pelos ônibus
neste horário, ou muitos dos funcionários e garçons que atuam na
noite. Isso permitirá que mais pessoas circulem pela noite, mais
dinheiro se movimente, novos empreendimentos de entretenimento como
bares, teatros, cinemas, casas de show, se proliferem.

É necessário ocupar os espaços públicos, retomar este contato com o
comércio local, ver as pessoas sem vidros escurecidos de separação,
sentir o cheiro ou odor das ruas. Pessoas que conseguem transitar com
naturalidade pelas ruas de Salvador são cada vez
mais raras. Alguns vão gritar: " ...mas é inseguro!". Lembro de meu
pai falando de como andava de noite pela Av. Sete, namorando e
admirando as vitrines ... Sim, este tempo se perdeu, mas pode voltar.
Só depende de preenchermos os espaços públicos. Defendo uma bandeira:
COM TRANSPORTE, TUDO FICA MAIS FÁCIL! Ter acesso à Educação, chegar
ao posto de saúde, à biblioteca, ao teatro, à casa de show, ao centro
médico, à festa de aniversário. Permitir que os idosos possam
transitar mais livremente e que possam usufruir do que lhes é de
direito, evitando que gastem $$$$ e horas e horas pagando SKY, DirecTV
e revertendo estes $$$$ para algo que é local a Salvador e não um
grande conglomerado nacional, que vai concentrar seus lucros e
investimentos em alguma grande corporação do Sul/Sudeste. Fortalecer e
consumir o que é local reequilibra a sua economia, redireciona os
gastos para algo que está ao seu redor, e fortalece aquele que divide
o cotidiano com vc. Permitir que as pessoas circulem sem a necessidade
de um carro, isso impulsiona o comércio de rua, descentraliza o foco
concentrado nos shoppings. Com isso, empreendimentos locais, de
pessoas locais, podem se desenvolver, ao invés de nos tornarmos sempre
reféns das grandes redes, sejam lá do que for: roupa, fastfood,
restaurante , TV, rádio, etc...

Em Aju, nossa capital vizinha e tão sacaneada pelos baianos, pode-se
rodar a cidade com UMA PASSAGEM DE ÔNIBUS. Basta trocar de ônibus nas
estações. Isso foi pensado, foi planejado, visando o cidadão, foi uma
vontade política. Mas aqui, não existe foco no cidadão, no transeunte,
que pisa o pé no chão.

Exemplos disso são as passarelas de acesso do Iguatemi para a
Rodoviária e para o Shopping salvador: construídas mesmo para
dificultar a vida de quem não tem carro. Experimente ter alguém em sua
família que use cadeira de rodas ou tenha dificuldade em subir degraus
e a coloque para andar por Salvador ... Mas em Copacabana, Botafogo,
Flamengo, no Rio, isso é uma realidade (e só vou falar do que conheço,
do que não conheço, não falo). Observem o movimento que acontece em
cidades européias onde estão mais adiantados no pensamento e
perceberam o benefício em estimular o ciclismo como forma normal de
locomoção, não como modalidade esportiva. Toda a Europa incentiva as
pessoas a usarem seus camelos, criam sistemas de empréstimos rápidos
de bicicleta. Loucura ? Simplesmente estão diminuindo o número de
pessoas usando carro, dentro dos metrôs ou ônibus (sem falar da saúde
que estão gerando com uma prevenção indireta ao sedentarismo). Vemos
todas cidades se equipando e tomando consciência quanto ao ciclista,
mas aqui em SSA , você, enquanto usuário de bicicletas, é quase um ET,
considerado um louco, que atrapalha o trânsito. Começo a chegar a
conclusão que as pessoas aqui já nasceram dentro de um carro com a mão
na buzina, ou nunca andaram de ônibus nem pisaram na faixa. Neste
movimento atrasado de Salvador, seria mais interessante termos ruas
arborizadas, que dessem mais prazer e condições das pessoas se
deslocarem a pé, com calçamentos apropriados. Temos hoje uma cultura
na administração municipal de simplesmente acabar com as árvores. Aos
poucos, a cidade perde sombras, a cidade perde verdes, a cidade perde
frescor, a cidade vai sendo impermeabilizada, o concreto passa a se
tornar paisagem comum, que aquece e afasta o cidadão das calçadas.
Nossa frota de ônibus começa a se recolher já a partir das 22h. Depois
da meia-noite, o problema se instala com os permoitões, com linhas que
ninguém conhece, de longos trajetos e poucos carros: nada atrativos
para justificar que as pessoas tenham certeza em sair pela noite
usando o transporte público, garantindo tanto a ida quanto a volta.
Isso tudo afirmo de carteirinha, vivido in loco, com direito a "mão no
ônibus" e a mão em mim, nas blitz
policiais da madrugada.
Tudo isso caracteriza um grande "toque de recolher" indireto que
acontece todas as noites na soterópolis. As pessoas se veem
desencorajadas a permanecerem na rua após as 22/23 h. Mostra quanto
ainda somos medievais, e ao mesmo tempo, como o plano das grandes
montadores de automóveis conseguiu se instalar bem por aqui - nada
mais que uma reflexão trazida pelo David Byrne (sim, aquele do grupo
Talking Heads) em seu livro "Diários de Bicicleta", no qual relata
suas visitas a diversas cidades do mundo levando sua bicicleta
dobrável e interpretando cada uma das cidades a partir do olhar
ciclístico. A verdade é que as montadoras exigem uma multiplicação das
vias asfaltadas para que seus produtos possam transitar, alargando as
cidades desnecessariamente e distanciando as pessoas. Com certeza
somos hoje o grande mercado destas montadoras, pois em locais mais
civilizados, as montadores de bicicletas são as que mais crescem.

Enquanto isso, no Rio, os metrôs se equipam para permitir o transporte
de bicicletas aos fins de semana. Quase todas as linhas de ônibus
funcionam durante a madrugada, com menor número de carros, mas com
garantia de que estarão presentes na rua, ida ou volta, e com o
acréscimo do transporte alternativo em vans, que tem permissão de
funcionar a partir de certo estágio da noite. Trazer tudo isso para
SSA passa por uma mudança cultural, que demanda muito tempo, além de
uma vontade política diferente daquelas que estão organizando a
soterópolis há muitos anos.


Uma grande parcela da POPULAÇÃO DE SALVADOR já anda 365 dias sem
carro, pois cerca de 70% , não possuem esse meio de transporte. Porém
os 30% restantes devem entender que o dia mundial sem carro não é só
22 de setembro, mas qualquer dia, de janeiro a dezembro. Sempre que
for possível, ande de ônibus ou de bicicleta. Isto representa
altruísmo e solidariedade. "Uma cidade só existe para quem pode se
movimentar por ela."

Referências? Atitudes ?


http://www.mountainbikebh.com.br
http://tarifazero.org/
http://midiaindependente.org/pt/blue/2009/09/454845.shtml
http://www.bicicletada.org/tiki-index.php?page=Salvador
http://bikebook.com.br/
http://bicicletada.wordpress.com/
http://www.bicicletadanatalrn.blogspot.com/

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