Free jazz Ornete - Coleman
O jazz entre os estilos musicais
é o mais livre. O improviso representa essa liberdade, permite ao músico
expressar seu estado de espírito e sua identidade musical apresentados no tempo
em que dura sua improvisação. O improviso esteve presente no jazz tradicional
de New Orleans, nas big bands e teve no bebop com Charlie Parker, Dizzie
GIllespie e Telonius Monk a expansão dessa liberdade. O bebop inaugurou uma
nova forma de se tocar o jazz uma vez que rompe com o formato big band imprimindo
o quarteto e quinteto como nova formação dos grupos de jazz. Os improvisos eram
construídos a partir de um tema principal, uma composição que dava á música uma
identidade. Contudo essa liberdade foi levada ao limite com Ornette Coleman em
seu álbum batizado de Free Jazz,
lançado em 1960 pela Atlantic Records.
Todo o álbum é um improviso que dura 58 minutos, não há temas, todas as
melodias são criadas segundo a inspiração pessoal de cada músico enquanto dura
a execução da música. Ornette Coleman dispensa o piano na formação do quarteto
que grava o álbum, resultando em uma sonoridade caótica e desprovida do suporte,
até então indispensável, de um instrumento harmônico. Temos a experiência de
ouvir frases melódicas que levam nossos ouvidos a direções diferentes, somos
jogados num transito sonoro caótico, em que os sons vão de um lado para outro
numa ordem desordenada. A falta de estabilidade e de um padrão harmônico causa estranheza,
às vezes enjoo, pois nossos ouvidos não estão acostumados a uma tempestade
sonora que dure tanto tempo. O free jazz de Coleman é 100% improviso, dispensa
o riff, o tema principal e a harmonia. Ao fazer do improviso única condição
para se fazer o jazz Ornette Coleman compôs uma obra prima única, que levaria
as próximas gerações de músicos a tratar o improviso de uma outra forma na
imensidão sonoro que é o jazz.
Kind Of Blue - Miles
Davis
Miles Davis formou-se nas big
bands, mas foi sua inserção no universo do bebop fazendo parte do quinteto de
Charlie Parker que o levou à busca de sua identidade musical. Os primeiros vinte
anos de sua carreira o levaram a unir a liberdade extremada e agressiva do
bebop com a arquitetura musical expressa nos arranjos sofisticados das big
bands. Miles Davis criou o Cool Jazz através dessas influências. Uma sonoridade
leve, improvisos que buscam a qualidade do som na economia das notas. Kind of Blue é o último estágio da
fase cool da música de Miles. Com esse álbum Miles Davis chega o mais próximo
possível da perfeição que poderia alcançar com o cool jazz. As músicas que compõe
esse álbum geram uma atmosfera introspectiva, envolvendo o ouvinte com uma
suavidade sensual. Cada nota, cada frase parece ter sido escolhida segundo
critérios sublimes e tem-se a nítida sensação de flutuar no espaço. Lembremos
que o sax tenor nesse álbum foi tocado por nada mais nada menos que John
Coltrane.
Bitches Brew - Miles
Davis
Miles Davis é sem dúvida o maior
músico de jazz de todos os tempos. Essa afirmação de modo algum é gratuita e
deve-se ao fato da necessidade constante que este músico teve de expandir as fronteiras
de seu som. Fica clara em sua discografia a transformação constante de sua
música, responsável por criar novos gêneros musicais como o cool, o jazz rock,
o fusion e o jazz eletrônico no final de sua vida. Miles Davis não teve medo de
quebrar as barreiras e “macular” o jazz, quando em 1969 introduz instrumentos
elétricos característicos do rock e do blues ao jazz. Bitches Brew marca um novo momento do jazz, que migra do acústico
para o elétrico. Não bastasse a eletrificação do jazz, esse álbum apaga a
distinção entre tema e improviso, marca registrada do jazz até então, o que
gerou na época duras críticas dos jazzistas à Miles e novas questões aos
amantes, estudiosos e músicos de jazz: Bitches
Brew seria um álbum de jazz? Miles Davis ainda poderia ser considerado um
músico de jazz? Todas as linhagens do jazz nascidas até este momento crucial
contavam com uma formação padrão, estabelecida pelos bebopers, em particular
Charlie Parker, Dizzie Gillespie e Thelonius Monk, a formação em quarteto e
quinteto. Claro que antes disso havia as orquestras de jazz, as famosas Big
Bands e a consolidação dos quartetos e quintetos teve uma importância
fundamental para o nascimento do jazz moderno. Contudo ainda eram os mesmos
instrumentos utilizados nas orquestras, tínhamos então: bateria, piano, baixo
acústico, saxofone (na maioria das formações o sax tenor) e trompete. A
formação de Bithces Brew dispensa
todos esses instrumentos e adota a guitarra elétrica, que se serve de todos os
efeitos que este instrumento pode oferecer como as distorções, o ua, ua; baixo
elétrico, piano elétrico (sintetizador), percussão (lembremos que o
percussionista Airton Moreira fez parte dessa banda de Miles, colocando
inclusive a cuica pra roncar em quase todas as músicas) e o mais estranho, um
trompete eletrificado. Além do sax alto e soprano o clarone é utilizado na
primeira música do álbum, Pharoa´s Dance.
O clarone é uma mistura de saxofone com clarineta. Seu corpo de madeira e o
formato de cachimbo produzem um som peculiar, encorpado, lembrando um rugido.
Temos, portanto em Bithches Brew no
mínimo três inovações: a eletrificação dos instrumentos, a dissolução das
fronteiras entre tema e improviso e a utilização de instrumentos “exóticos” ao
menos no que tange o jazz.
Músicos que participaram da
gravação de Bitches Brew:
A Love Supreme - John Coltrane
John Coltrane criou uma nova
maneira de tocar o saxofone. O som forte e agressivo de Coltrane é
inconfundível. Antes de formar seu quarteto fez parte do quinteto de Miles
Davis participando das gravações da obra prima Kind Of Blue. Compôs clássicos do jazz como Blue Trane, Giant Steps, Naima e imortalizou músicas de outros compositores
como My
Favorite Things e Afro Blue. Porém, a obra máxima de John Coltrane é A Love Supreme, gravado em 1965 pela
gravadora Impulse. Segundo sua
esposa Alice Coltrane, John trabalhava incessantemente em uma nova composição. Quando
não estava em turnê, trancava-se no sótão de sua casa durante o dia todo
buscando a perfeição sonora que sua alma perseguia há anos. Esse foi um período
de transformação para Coltrane, ele havia se voltado para a espiritualidade e
ambicionava fazer um som que expressasse em sons o que se passava em seu próprio
espírito. O contato com religiões orientais influenciou profundamente o modo de
vida do músico e consequentemente sua música. John Coltrane buscou transcender
à matéria em busca da inspiração e por fim traduzir na materialidade dos sons
aquele mundo espiritual no qual se enveredou. Composto por quatro partes Acknowledgement, Resolution,
Pursuance e Psalm, Coltrane nos presenteou com uma sonoridade misteriosa,
sagrada, que purificação e aperfeiçoamento espiritual e toca com carinho a
perfeição. Em Acknowledgement, ao som do saxofone tenor e do quarteto que cria
uma atmosfera mística, temos a voz de Coltrane repetindo o título de sua obra
prima: A Love Supreme, A Love Supreme ... No documentário A história do Jazz do dirtor Ken Burns, na parte em que aborda a
música de John Coltrane, o narrador diz que a grande ambição do sax tenor nos
anos sessenta era tornar-se santo. John Coltrane acreditava em Deus, acreditava
que possuía uma missão: traduzir em sons a perfeição da espiritualidade. Ouvir A Love Supreme é ouvir a voz de Deus, as
quatro partes que o compõem são a expressão sonora do que se passa no mundo
espiritual. O amor é supremo, nele reside a perfeição do espírito e a redenção
da alma. Para Coltrane a música tinha por finalidade elevar a alma humana, em A Love Supreme coloca-nos em contato
com o inefável, o sagrado, aquilo que não pode ser expresso verbalmente, mas
que se faz presente através dos sons que compõe A Love Supreme. Ouvindo esse
álbum, parece ser possível a existência de Deus.
Times Out - David
Brubeck
Gravado em 1959 pela Columbia
Records, Times Out do pianista Dave
Brubeck inova ao trazer composições inspiradas na música oriental, como Blue Rondo a la Turk, ao explorar de
modo singular os compassos 5/4 e 9/4, ao intensificar a participação do piano
na condução da música e ao mostrar que os brancos também podiam fazer jazz de
qualidade. Paul Desmond, saxofonista branco com timbre suave e refinado
desempenhou um papel importante para imortalizar Times Out na lista de obras
primas do jazz. Sua execução e improvisação de Take Five imprimiu ao álbum sua
identidade. Todos os amantes do jazz quando esquecem o nome desse álbum o
identificam como “aquele álbum que tem Take
Five”. Um álbum suave, marcado pelo toque “martelado” das teclas do piano
de Brubeck e pela suavidade sonora do sax alto de Paul Desmond fizeram de Times Out um marco na história do jazz
e um dos cinco álbuns mais importantes na história do jazz segundo esse que vos
escreve.
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