sexta-feira, 8 de março de 2013

Sobre Um Lugar No Absurdo




Engraçado, Wesley havia pedido que eu escrevesse um texto sobre o lançamento do livro e publicasse no blog. Pensei em fazer algo pequeno, apenas informativo. Contudo resolvi reler os poemas de Um Lugar no Absurdo e o resultado são seis páginas dividias em quatro partes. Claro que me dei a esse luxo por publicá-lo em meu blog e confesso ter gostado do resultado. O texto que deveria sair no Born To Lose seria composto apenas da primeira parte. Contudo, ler os poemas despertou novas imagens, novos vislumbres e a cada momento em que dava por terminado o texto um novo impulso surgia e me via obrigado a continuar escrevendo.
A riqueza da poesia de Wesley leva a esse movimento constante, presente em sua poesia e que faz com que cada leitura traga novidades consigo. Foi muito difícil tentar falar a vocês sobre a poesia de Wesley. Isso por não ser a reprodução de um estilo de poesia do passado, o qual já conhecemos e já estamos cansados de ver reproduzidos por aí, mas por se tratar da procura, ou da construção do seu traço particular. Falar sobre o novo é uma tarefa difícil, parece que quanto mais se tenta construir uma definição que permita identifica-la, mais elementos surgem exigindo que novos caminhos sejam trilhados a fim de encontrar o ponto final. Quase um trabalho de tentar reter água usando uma peneira.
Muitos anos serão necessários para que consigamos “ouvir” tudo que os poemas de Um Lugar no Absurdo têm a nos dizer, ou talvez isso nunca aconteça. O certo é que temos uma obra prima em nossas mãos.
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O Lançamento
02 de março de 2013, dia de lançamento do livro de poesia Um Lugar no Absurdo, de autoria do poeta pontenovense Wesley Costa Melo. Escrever versos é apenas um dentre os muitos ofícios de Costa Melo, dentre os quais temos ainda compositor, músico, professor, andarilho, fotógrafo e provavelmente outros tantos por nós ainda desconhecidos. O local escolhido para o lançamento do livro é um ambiente propicio à criação, habitat natural das musas, um bar, ponto de encontro frequente dos artistas pontenovenses, o Mistura Fina. A escolha do ambiente já diz muito do que nos espera ao explorarmos as páginas de Um Lugar no Absurdo. Ficamos bem longe da formalidade enfadonha dos palcos de teatro, dos discursos vazios de oradores donos de uma retórica rasa, que só faz os convidados desejarem ter em suas mãos um 38 ou uma bebida bem forte que bote um ponto final ao seu sofrimento. No bar a poesia se fez presente e o lançamento do livro deixou de ser um ritual burocrático e sem vida, sendo uma comemoração intensa, realizada ao som dos versos de Um Lugar no Absurdo e ao sabor dos petiscos e bebidas que só um bar pode oferecer. O ritual de lançamento foi mais acolhedor por ter aberto mão da formalidade que só afasta o escritor, o poeta, dos seus leitores.
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O Absurdo
Há muitas semanas o lançamento vinha sendo divulgado via redes sociais. Abaixo dos posts que faziam a divulgação, comentários pareciam se incomodar diante do título: Um Lugar no Absurdo. Entre os muitos que li, chamou-me atenção o seguinte: “O que é isso meu amigo, não há nada de absurdo, seu livro é muito bom!” Engraçado, mas temos aversão a certas palavras, talvez por uma herança cultural extremamente racionalista, moldadas por um idealismo alimentado pelo cristianismo, que aponta como positivo (bom) aquilo que faz sentido, que tem um objetivo, que revela um desígnio, enquanto o contrário, a falta de sentido, o acaso, são vistos como negativos (maus). Claro que esse sentido orienta-se por essa visão racional-idealista-cristã. Por essa constituição moral da nossa sociedade recebemos desde a infância, através da nossa família, dos nossos professores na escola, dos programas de tv, uma concepção de um mundo constituída, anterior à nossa existência, cujos valores já estão prontos e um caminho para nossas vidas já está estabelecido. Bom, sendo assim, onde está o absurdo? Havendo um desígnio para nossas existências, se já recebemos prontinho um sentido pra nossas vidas, como pode alguém conceber o absurdo?
O absurdo surge no momento em que esses sentidos pré-fabricados, os quais configuram nossa moral, escolhas etc, não satisfazem nossa vontade, nosso desejo mais particular, ou seja, quando percebemos que acolher tais “sentidos” consiste em acolher o absurdo. O sentido deve ser construído por cada um. O significado na nossa existência passa a se construir no momento em que passamos a viver, a conhecer melhor a nós mesmos e a cada instante construir o sentido para e pelo qual estamos vivos. Um Lugar no Absurdo é a descoberta de Costa Melo do absurdo da existência, mas também a construção de um sentido que não termina com o último verso do último poema do livro. A poesia de Costa Mela é uma obra em aberto.
Por isso sou levado a dizer que a autora do post não compreendeu a imagem para a qual aponta o título. Lendo os poemas que compõem Um Lugar no Absurdo, percebe-se que as emoções, reflexões, inspirações que motivaram Costa Melo a escrevê-los, foram provocadas por um lugar específico, no qual viveu experiências específicas. Contudo, os grandes artistas, mesmo que instintivamente, rompem as fronteiras do espaço-tempo, universalizando sua arte. Ao falar de si, de sua terra natal, Ponte Nova, de sua relação com a cidade e as pessoas que nela vivem, Costa Melo alcança o nível da universalidade. Suas questões, suas emoções, passam a ser de todos os seres humanos, independente de quando e onde tenham nascido. Nesse sentido o livro pode ser chamado de obra de arte, pois, é um livro que fala para todos os seres humanos.
Calro que à nós pontenovenses, esses poemas tem um sabor mais forte, pois, embora tratem das emoções e experiências de  Costa Melo, são também um pouco as nossas, pois compartilhamos e vivemos com ele o mesmo tempo e lugar. Em alguns casos me atrevo a dizer, compartilhamos as mesmas aflições! Ponte Nova faz-nos íntimos! Ponte Nova é esse lugar no Absurdo, escrito com letra maiúscula por se tratar da existência, que torna-se absurda quando perde seu sentido, ou melhor, quando se descobre que nunca houve sentido. Isso por só haver sentido quando este é construído e não recebido.
 Os poemas de Costa Melo tentam encontrar um sentido numa terra cuja trajetória histórica está repleta de acontecimentos contraditórios do ponto de vista da vida humana. Há eventos que tornam a existência um absurdo. A história de Ponte Nova começa com a chegada do invasor branco, munido de cruzes e armas de fogo para construir as primeiras fazendas e vilas da região ao custo da vida de milhares de indígenas, passando pela exploração da força de trabalho dos negros, escravizados afim de extrair o açúcar da cana, até a decadência econômica da Princesinha da Zona da Mata, quando os senhores dos engenhos encontraram a falência, originando as gerações posteriores de uma elite que viveria do passado de glória de seus ancestrais da casa grande, que por todo século XX e primeira década do século XXI, ainda viviam a ilusão de serem os escolhidos, a casta superior, ilusão gerada pelo sobrenomes dos antigos senhores de engenho; que a menos de um ano atrás detinham o poder político de nossa Ponte Nova.
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A poesia de Um Lugar no Absurdo

Toda essa história política, econômica e social está presente nos versos de Costa Melo. Esse pontenovense atormentado por essa antiga questão que envolve as relações humanas, muito bem elaborada pelo filósofo francês Etiene La Boetie, que não consegue compreender como milhões de oprimidos concedem a um único homem, ou a uma família ou a um conjunto de empresários ou políticos o poder de explorá-los. Daí o alcance universal da poesia de Costa Melo, a exploração do ser humano pelo ser humano, expressa através da luta entre opressores e oprimidos. A opressão só dá sentido à vida do opressor, esvaziando o sentido da vida do oprimido, que acaba por anulá-la em um cotidiano enfadonho de resignação. Um Lugar no Absurdo cumpre essa função de transmitir esse sinal gerado a partir de Ponte Nova. A constatação de haver um absurdo presente em nossas vidas pontenovenses.
Após ler os poemas de Um Lugar no Absurdo pude enxergar uma alma atormentada pelo Absurdo, dessa existência sem sentido e do porque insistir em dar um sentido à existência em Ponte Nova, fazer com que deixe de ser um lugar no absurdo ou ainda um lugar de absurdos. Tantos outros, como esse que vos escreve, preferiram abandonar o barco e buscar um sentido para a própria existência em outras paragens. Está aí a força dos versos de Costa Melo, a força de sua arte, daquele habitante que não se contenta em carregar sua terra natal dentro de si, pois quer mais, quer ser parte dela e talvez queira ainda mais, quer que todos os pontenovenses se sintam assim. O absurdo de ser pontenovense e viver em uma terra de acontecimentos escabrosos, muitas vezes ligados ao modo como a elite constrói o imaginário coletivo do povo fez com que Costa Melo lutasse por imprimir um novo sentido para si, para sua cidade e compartilhar com seus conterrâneos pontenovenses através de seus versos.

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Delírios febris de Um Lugar no Absurdo

Primeiro delírio
Na verdade eu tenho outra teoria sobre esse livro. Talvez tudo que eu tenha dito sobre ele até aqui, sobre os objetivos de Costa Melo em encontrar um sentido e expulsar o absurdo da existência mostrem minha incompreensão sobre sua poesia. Talvez essa minha leitura revele apenas quão cartesiano sou eu, que busco entender o que não pode ser compreendido, ou aquilo que não deve ser entendido, apenas vivenciado, pois corremos o risco de retirar-lhe todo seu poder narcótico. Talvez o que Costa Melo quer com seus versos é nos jogar no absurdo, roubar nossa razão, jogar um véu sobre o mundo e nos devolver o olhar inocente que ainda está por descobrir o mundo, pois a sensação de descobrir algo mundo nos revigora, nos faz sentir mais vivos! Talvez esteja apontando para a necessidade do delírio, de perdemos o controle e deixar que o fluxo da vida nos jogue de um lado para o outro. Talvez esta querendo dizer que devemos perder a cabeça de vez em quando, ou talvez, seja só mais uma forma de ser afetado por seus versos.
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Segundo Delírio
Geralmente temas políticos são difíceis de ser tratados em versos, acaba-se na maior parte das tentativas sendo direto, argumentativo, expulsando a poesia das palavras. Costa Melo consegue construir versos cujo ritmo constante dos versos associado às metáforas bem elaboradas produzem o efeito estético necessário à sedução do leitor, que ao mesmo tempo percebe o teor político por detrás desse artifício poético. Cito alguns desses poemas: Aos Esquecidos e 1755.  
O seguinte trecho do poema 1755 talvez ajude a entender o que tento dizer:

Das veias da caiana até os tonéis de umburana
Sobre um ourives Rio de história uma Ponte Nova envelhece
Muda, escuta de si mesmo
A voz do povo  sofrer um gemido gentílico 

Estes versos nos ensinam sobre nossa história de uma forma dura, sem qualquer anestésico. Costa Melo abre mão do carinho hipócrita do romantismo, que cobre de glória uma realidade de sangue e dor. A identidade poética, a originalidade da poesia de Costa Melo estão em não se servir dos recursos poéticos de modo a encobrir a aspereza da realidade de nossa história, totalmente desprovida de qualquer glória, sendo mesmo ultrajante e em muitos aspectos vergonhosa. Ao contrário, Costa Melo lança a luz mais intensa sobre esse absurdo, produzindo um efeito poético sutil, mas que garante à sua poesia toda vibração artística de que necessita. São versos que desconstroem essa visão gloriosa de nossa história tal qual está representada em nossa bandeira, onde um índio e um bandeirante dividem pacificamente o mesmo quadro. Essa imagem romântica em que opressor e oprimido são colocados como iguais é abjeta e deve ser rejeitada a todo custo. Vêm-me à mente agora os seguintes versos do poema Aos Esquecidos:


Escravos das ruínas de Santa Helena
Botocudos da fé de Cristo
De suor e calo
O café
Na borra das memórias
Escravizam meus antepassados em colheitas de aniversário esquecido

O bagaço da cana é sangue é foice e facão
Meu povo retalhado na excomunhão da lavoura sem o doce sem o mel
Somente o meu povo, na excomunhão da lavoura

Arde o peito
Quem é gente sente que é bicho domável de humano

Esses versos me levam a uma analogia estranha. Esses dois poemas geram imagens interessantes, duras, secas, ásperas, terríveis até. Contem um excesso de realidade que espanta! Lembram-me dos mestres do neorrealismo italiano e seus filmes mais neorrealistas: Vitorio de Sicca com seu Ladrões de Bicicleta,  Roberto Rosselini  com Roma Cidade Aberta e Luchino Visconti  com A Terra Treme. Esses dois poemas de Costa Melo produzem imagens como aquelas presentes nos filmes desses mestres do cinema neorrealista italiano! São poemas neorrealistas, sem dúvida. Certamente esses versos tem o mesmo poder de Ladrões de Bicicleta e A Terra Treme, devido aos contornos fortes dados à condição humana, o conflito que se resume a sobrevivência dentro de uma sociedade opressora, que produz histórias, imagens e acontecimentos dolorosos. Não há como conter as lágrimas diante dessas revelações!
Vivemos um momento em que precisamos disso, renovação, arejar nossos sentidos estéticos. Precisamos de poetas como Costa Melo para acabar com o rotulo de poeta como aquele indivíduo que faz versinhos românticos, bonitinhos, ocos, meros adornos da linguagem. Essa coisa pra saraus, que não passa de mais do mesmo, feita pra se recitar nos aniversários de famílias e festas de casamento. Resinificar o conceito de poeta, este não pode mais ser concebido como aquele capaz de dizer coisas bonitas e agradáveis. Esse me desculpem os cristãos, merece sentir a fúria do chicote romano.  
Por quebrar esse estereótipo, por trazer à nós leitores versos jovens e cheios de vida, eu celebro esse livro Um Lugar no Absurdo! Há muito mais a dizer sobre esse livro, deixarei pra outro momento, pois o impulso por ele ativado já se estendeu demais.  

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