Engraçado,
Wesley havia pedido que eu escrevesse um texto sobre o lançamento do livro e
publicasse no blog. Pensei em fazer algo pequeno, apenas informativo. Contudo
resolvi reler os poemas de Um Lugar no Absurdo e o resultado são seis páginas dividias
em quatro partes. Claro que me dei a esse luxo por publicá-lo em meu blog e
confesso ter gostado do resultado. O texto que deveria sair no Born
To Lose seria composto apenas da primeira parte. Contudo, ler os poemas
despertou novas imagens, novos vislumbres e a cada momento em que dava por
terminado o texto um novo impulso surgia e me via obrigado a continuar escrevendo.
A
riqueza da poesia de Wesley leva a esse movimento constante, presente em sua
poesia e que faz com que cada leitura traga novidades consigo. Foi muito
difícil tentar falar a vocês sobre a poesia de Wesley. Isso por não ser a
reprodução de um estilo de poesia do passado, o qual já conhecemos e já estamos
cansados de ver reproduzidos por aí, mas por se tratar da procura, ou da
construção do seu traço particular. Falar sobre o novo é uma tarefa difícil, parece que quanto mais se tenta
construir uma definição que permita identifica-la, mais elementos surgem
exigindo que novos caminhos sejam trilhados a fim de encontrar o ponto final. Quase
um trabalho de tentar reter água usando uma peneira.
Muitos
anos serão necessários para que consigamos “ouvir” tudo que os poemas de Um Lugar no Absurdo têm a nos dizer, ou
talvez isso nunca aconteça. O certo é que temos uma obra prima em nossas mãos.
***
O
Lançamento
02
de março de 2013, dia de lançamento do livro de poesia Um Lugar no Absurdo, de autoria do poeta pontenovense
Wesley Costa Melo. Escrever versos é apenas um dentre os muitos ofícios de
Costa Melo, dentre os quais temos ainda compositor, músico, professor,
andarilho, fotógrafo e provavelmente outros tantos por nós ainda desconhecidos.
O local escolhido para o lançamento do livro é um ambiente propicio à criação,
habitat natural das musas, um bar, ponto de encontro frequente dos artistas
pontenovenses, o Mistura Fina. A escolha
do ambiente já diz muito do que nos espera ao explorarmos as páginas de Um
Lugar no Absurdo. Ficamos bem longe da formalidade enfadonha dos palcos
de teatro, dos discursos vazios de oradores donos de uma retórica rasa, que só
faz os convidados desejarem ter em suas mãos um 38 ou uma bebida bem forte que bote
um ponto final ao seu sofrimento. No bar a poesia se fez presente e o
lançamento do livro deixou de ser um ritual burocrático e sem vida, sendo uma
comemoração intensa, realizada ao som dos versos de Um Lugar no Absurdo e ao
sabor dos petiscos e bebidas que só um bar pode oferecer. O ritual de lançamento
foi mais acolhedor por ter aberto mão da formalidade que só afasta o escritor,
o poeta, dos seus leitores.
***
O
Absurdo
Há
muitas semanas o lançamento vinha sendo divulgado via redes sociais. Abaixo dos
posts que faziam a divulgação, comentários pareciam se incomodar diante do
título: Um Lugar no Absurdo. Entre os
muitos que li, chamou-me atenção o seguinte: “O que é isso meu amigo, não há nada de absurdo, seu livro é muito bom!”
Engraçado, mas temos aversão a certas palavras, talvez por uma herança cultural
extremamente racionalista, moldadas por um idealismo alimentado pelo
cristianismo, que aponta como positivo (bom) aquilo que faz sentido, que tem um
objetivo, que revela um desígnio, enquanto o contrário, a falta de sentido, o
acaso, são vistos como negativos (maus). Claro que esse sentido orienta-se por essa visão racional-idealista-cristã. Por
essa constituição moral da nossa sociedade recebemos desde a infância, através
da nossa família, dos nossos professores na escola, dos programas de tv, uma
concepção de um mundo constituída, anterior à nossa existência, cujos valores
já estão prontos e um caminho para nossas vidas já está estabelecido. Bom,
sendo assim, onde está o absurdo? Havendo um desígnio para nossas existências,
se já recebemos prontinho um sentido pra nossas vidas, como pode alguém
conceber o absurdo?
O
absurdo surge no momento em que esses sentidos pré-fabricados, os quais configuram
nossa moral, escolhas etc, não satisfazem nossa vontade, nosso desejo mais particular,
ou seja, quando percebemos que acolher tais “sentidos” consiste em acolher o
absurdo. O sentido deve ser construído por cada um. O significado na nossa
existência passa a se construir no momento em que passamos a viver, a conhecer
melhor a nós mesmos e a cada instante construir o sentido para e pelo qual
estamos vivos. Um Lugar no Absurdo é
a descoberta de Costa Melo do absurdo da existência, mas também a construção de
um sentido que não termina com o último verso do último poema do livro. A
poesia de Costa Mela é uma obra em aberto.
Por
isso sou levado a dizer que a autora do post não compreendeu a imagem para a
qual aponta o título. Lendo os poemas que compõem Um Lugar no Absurdo, percebe-se que as emoções, reflexões, inspirações
que motivaram Costa Melo a escrevê-los, foram provocadas por um lugar
específico, no qual viveu experiências específicas. Contudo, os grandes
artistas, mesmo que instintivamente, rompem as fronteiras do espaço-tempo,
universalizando sua arte. Ao falar de si, de sua terra natal, Ponte Nova, de
sua relação com a cidade e as pessoas que nela vivem, Costa Melo alcança o
nível da universalidade. Suas questões, suas emoções, passam a ser de todos os
seres humanos, independente de quando e onde tenham nascido. Nesse sentido o
livro pode ser chamado de obra de arte, pois, é um livro que fala para todos os
seres humanos.
Calro
que à nós pontenovenses, esses poemas tem um sabor mais forte, pois, embora
tratem das emoções e experiências de Costa Melo, são também um pouco as nossas,
pois compartilhamos e vivemos com ele o mesmo tempo e lugar. Em alguns casos me
atrevo a dizer, compartilhamos as mesmas aflições! Ponte Nova faz-nos íntimos! Ponte
Nova é esse lugar no Absurdo, escrito com letra maiúscula por se tratar da
existência, que torna-se absurda quando perde seu sentido, ou melhor, quando se
descobre que nunca houve sentido. Isso por só haver sentido quando este é
construído e não recebido.
Os poemas de Costa Melo tentam encontrar um
sentido numa terra cuja trajetória histórica está repleta de acontecimentos contraditórios
do ponto de vista da vida humana. Há eventos que tornam a existência um
absurdo. A história de Ponte Nova começa com a chegada do invasor branco,
munido de cruzes e armas de fogo para construir as primeiras fazendas e vilas
da região ao custo da vida de milhares de indígenas, passando pela exploração
da força de trabalho dos negros, escravizados afim de extrair o açúcar da cana,
até a decadência econômica da Princesinha da Zona da Mata, quando os senhores
dos engenhos encontraram a falência, originando as gerações posteriores de uma
elite que viveria do passado de glória de seus ancestrais da casa grande, que
por todo século XX e primeira década do século XXI, ainda viviam a ilusão de
serem os escolhidos, a casta superior, ilusão gerada pelo sobrenomes dos
antigos senhores de engenho; que a menos de um ano atrás detinham o poder
político de nossa Ponte Nova.
***
A
poesia de Um Lugar no Absurdo
Toda
essa história política, econômica e social está presente nos versos de Costa
Melo. Esse pontenovense atormentado por essa antiga questão que envolve as
relações humanas, muito bem elaborada pelo filósofo francês Etiene La Boetie,
que não consegue compreender como milhões de oprimidos concedem a um único
homem, ou a uma família ou a um conjunto de empresários ou políticos o poder de
explorá-los. Daí o alcance universal da poesia de Costa Melo, a exploração do
ser humano pelo ser humano, expressa através da luta entre opressores e
oprimidos. A opressão só dá sentido à vida do opressor, esvaziando o sentido da
vida do oprimido, que acaba por anulá-la em um cotidiano enfadonho de
resignação. Um Lugar no Absurdo cumpre essa função de transmitir esse sinal
gerado a partir de Ponte Nova. A constatação de haver um absurdo presente em
nossas vidas pontenovenses.
Após
ler os poemas de Um Lugar no Absurdo pude enxergar uma alma atormentada pelo
Absurdo, dessa existência sem sentido e do porque insistir em dar um sentido à
existência em Ponte Nova, fazer com que deixe de ser um lugar no absurdo ou ainda um
lugar de absurdos. Tantos outros, como esse que vos escreve, preferiram
abandonar o barco e buscar um sentido para a própria existência em outras
paragens. Está aí a força dos versos de Costa Melo, a força de sua arte,
daquele habitante que não se contenta em carregar sua terra natal dentro de si,
pois quer mais, quer ser parte dela e talvez queira ainda mais, quer que todos
os pontenovenses se sintam assim. O absurdo de ser pontenovense e viver em uma
terra de acontecimentos escabrosos, muitas vezes ligados ao modo como a elite
constrói o imaginário coletivo do povo fez com que Costa Melo lutasse por
imprimir um novo sentido para si, para sua cidade e compartilhar com seus conterrâneos
pontenovenses através de seus versos.
***
Delírios
febris de Um Lugar no Absurdo
Primeiro
delírio
Na
verdade eu tenho outra teoria sobre esse livro. Talvez tudo que eu tenha dito
sobre ele até aqui, sobre os objetivos de Costa Melo em encontrar um sentido e
expulsar o absurdo da existência mostrem minha incompreensão sobre sua poesia. Talvez
essa minha leitura revele apenas quão cartesiano sou eu, que busco entender o
que não pode ser compreendido, ou aquilo que não deve ser entendido, apenas
vivenciado, pois corremos o risco de retirar-lhe todo seu poder narcótico. Talvez
o que Costa Melo quer com seus versos é nos jogar no absurdo, roubar nossa
razão, jogar um véu sobre o mundo e nos devolver o olhar inocente que ainda
está por descobrir o mundo, pois a sensação de descobrir algo mundo nos
revigora, nos faz sentir mais vivos! Talvez esteja apontando para a necessidade
do delírio, de perdemos o controle e deixar que o fluxo da vida nos jogue de um
lado para o outro. Talvez esta querendo dizer que devemos perder a cabeça de
vez em quando, ou talvez, seja só mais uma forma de ser afetado por seus
versos.
***
Segundo
Delírio
Geralmente
temas políticos são difíceis de ser tratados em versos, acaba-se na maior parte
das tentativas sendo direto, argumentativo, expulsando a poesia das palavras.
Costa Melo consegue construir versos cujo ritmo constante dos versos associado
às metáforas bem elaboradas produzem o efeito estético necessário à sedução do
leitor, que ao mesmo tempo percebe o teor político por detrás desse artifício
poético. Cito alguns desses poemas: Aos
Esquecidos e 1755.
O
seguinte trecho do poema 1755 talvez
ajude a entender o que tento dizer:
Das
veias da caiana até os tonéis de umburana
Sobre
um ourives Rio de história uma Ponte Nova envelhece
Muda,
escuta de si mesmo
A
voz do povo sofrer um gemido gentílico
Estes
versos nos ensinam sobre nossa história de uma forma dura, sem qualquer
anestésico. Costa Melo abre mão do carinho hipócrita do romantismo, que cobre
de glória uma realidade de sangue e dor. A identidade poética, a originalidade
da poesia de Costa Melo estão em não se servir dos recursos poéticos de modo a
encobrir a aspereza da realidade de nossa história, totalmente desprovida de
qualquer glória, sendo mesmo ultrajante e em muitos aspectos vergonhosa. Ao contrário,
Costa Melo lança a luz mais intensa sobre esse absurdo, produzindo um efeito
poético sutil, mas que garante à sua poesia toda vibração artística de que
necessita. São versos que desconstroem essa visão gloriosa de nossa história
tal qual está representada em nossa bandeira, onde um índio e um bandeirante
dividem pacificamente o mesmo quadro. Essa imagem romântica em que opressor e
oprimido são colocados como iguais é abjeta e deve ser rejeitada a todo custo. Vêm-me
à mente agora os seguintes versos do poema Aos
Esquecidos:
Escravos
das ruínas de Santa Helena
Botocudos
da fé de Cristo
De
suor e calo
O
café
Na
borra das memórias
Escravizam
meus antepassados em colheitas de aniversário esquecido
O
bagaço da cana é sangue é foice e facão
Meu
povo retalhado na excomunhão da lavoura sem o doce sem o mel
Somente
o meu povo, na excomunhão da lavoura
Arde
o peito
Quem
é gente sente que é bicho domável de humano
Esses versos me levam a
uma analogia estranha. Esses dois poemas geram imagens interessantes, duras,
secas, ásperas, terríveis até. Contem um excesso de realidade que espanta! Lembram-me
dos mestres do neorrealismo italiano e seus filmes mais neorrealistas: Vitorio de Sicca com seu Ladrões
de Bicicleta, Roberto Rosselini com Roma Cidade Aberta e Luchino Visconti com A Terra Treme. Esses dois poemas de
Costa Melo produzem imagens como aquelas presentes nos filmes desses mestres do
cinema neorrealista italiano! São poemas neorrealistas, sem dúvida. Certamente esses
versos tem o mesmo poder de Ladrões de Bicicleta e A Terra Treme, devido aos contornos
fortes dados à condição humana, o conflito que se resume a sobrevivência dentro
de uma sociedade opressora, que produz histórias, imagens e acontecimentos
dolorosos. Não há como conter as lágrimas diante dessas revelações!
Vivemos um momento em
que precisamos disso, renovação, arejar nossos sentidos estéticos. Precisamos
de poetas como Costa Melo para acabar com o rotulo de poeta como aquele indivíduo
que faz versinhos românticos, bonitinhos, ocos, meros adornos da linguagem.
Essa coisa pra saraus, que não passa de mais do mesmo, feita pra se recitar nos
aniversários de famílias e festas de casamento. Resinificar o conceito de
poeta, este não pode mais ser concebido como aquele capaz de dizer coisas
bonitas e agradáveis. Esse me desculpem os cristãos, merece sentir a fúria do
chicote romano.
Por quebrar esse
estereótipo, por trazer à nós leitores versos jovens e cheios de vida, eu
celebro esse livro Um Lugar no Absurdo! Há muito mais a dizer sobre esse livro,
deixarei pra outro momento, pois o impulso por ele ativado já se estendeu
demais.